por Cristina Duba - membro EBP/AMP
Uma nota inicial
Quase todo mundo já se surpreendeu diante de um acontecimento súbito, desses que transformam, transtornam ou perturbam intensamente uma existência num instante, rompendo o sono do hábito que se repete, exclamando: parece um sonho! Por que diante de uma irrupção do real que nos esmaga o cotidiano com sua inesperada falta de sentido, com sua novidade radical, evocar justamente o sonho? Não será simplesmente porque sonhar convoca a fantasia imaginativa que nos permite escapar do imprevisto insuportável. É exatamente este real que se impõe que introduz a dimensão de sonho. Uma hipótese bastante simples é que a realidade não é real e sim a rede delirante com que mantemos o real, o impossível, enquadrado, e que quando essa tela se rompe, a experiência é de irrealidade, é de sonho, eventualmente de pesadelo, um modo de última hora de retomar uma estrutura de ficção para dizer o real.
O sonho, assim, ao ser sonhado, e, mais, ao ser contado, dá ao real que ele porta uma estrutura de enigma ao se dirigir ao Outro, guardando, no entanto, o impossível de dizer, o que Freud nomeou como o umbigo do sonho. Justamente quando a vida é atravessada pelo que há de mais real, suspiramos pelo sentido, pela rotina do sentido que um enigma, com sua possível solução, promete.
Terão razão aqueles que aproximam a arte, a literatura, do sonho. Não só na vertente de que elas introduzem vida na vida, mas no sentido de que dão forma significante às irrupções do real. O sonho, ao trazer um enigma ao sonhador, faz retornar o estranho, aquilo que é mais estrangeiro ao sonhador, ao campo do saber, na forma de um enigma que se interpreta. Mas pode-se certamente insistir em considerá-lo espuma neurológica ou resto inútil, e tomar do mesmo modo, aliás, toda a psicopatologia da vida cotidiana que Freud soube acolher.
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