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Um enquadre para o impossível

Atualizado: 9 de jul. de 2019

por Cristina Duba - membro EBP/AMP



Pejac, "Vandal-ism (Tribute to Édouard Manet)", Paris, 2014.

Uma nota inicial


Quase todo mundo já se surpreendeu diante de um acontecimento súbito, desses que transformam, transtornam ou perturbam intensamente uma existência num instante, rompendo o sono do hábito que se repete, exclamando: parece um sonho! Por que diante de uma irrupção do real que nos esmaga o cotidiano com sua inesperada falta de sentido, com sua novidade radical, evocar justamente o sonho? Não será simplesmente porque sonhar convoca a fantasia imaginativa que nos permite escapar do imprevisto insuportável. É exatamente este real que se impõe que introduz a dimensão de sonho. Uma hipótese bastante simples é que a realidade não é real e sim a rede delirante com que mantemos o real, o impossível, enquadrado, e que quando essa tela se rompe, a experiência é de irrealidade, é de sonho, eventualmente de pesadelo, um modo de última hora de retomar uma estrutura de ficção para dizer o real.


O sonho, assim, ao ser sonhado, e, mais, ao ser contado, dá ao real que ele porta uma estrutura de enigma ao se dirigir ao Outro, guardando, no entanto, o impossível de dizer, o que Freud nomeou como o umbigo do sonho. Justamente quando a vida é atravessada pelo que há de mais real, suspiramos pelo sentido, pela rotina do sentido que um enigma, com sua possível solução, promete.


Terão razão aqueles que aproximam a arte, a literatura, do sonho. Não só na vertente de que elas introduzem vida na vida, mas no sentido de que dão forma significante às irrupções do real. O sonho, ao trazer um enigma ao sonhador, faz retornar o estranho, aquilo que é mais estrangeiro ao sonhador, ao campo do saber, na forma de um enigma que se interpreta. Mas pode-se certamente insistir em considerá-lo espuma neurológica ou resto inútil, e tomar do mesmo modo, aliás, toda a psicopatologia da vida cotidiana que Freud soube acolher.

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