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por Thereza De Felice, ex-aluna e participante da Comissão de Ensino do ICP

Resenha do Evento preparatório

XXVI Jornadas Clínicas da EBP-Rio e ICP-RJ, de 2019:

“A vida (não) é um sonho: real e supresa na psicanálise”[1]

Curso Fundamental do ICP


O encontro partiu das seguintes passagens de Freud:


1) “O sonhar tomou a si a tarefa de recolocar sob controle do pré consciente a excitação do inconsciente, que ficou livre; ao fazê-lo, ele descarrega a excitação do inconsciente, serve-lhe de válvula de escape e, ao mesmo tempo, preserva o sono do pré-consciente, em troca de pequenos dispêndios da atividade de vigília.”[2]


2) "Mesmo no sonho mais minuciosamente interpretado, é freqüente haver um trecho que tem de ser deixado na obscuridade; é que, durante o trabalho de interpretação, apercebemo-nos de que há nesse ponto um emaranhado de pensamentos oníricos que não se deixa desenredar e que, além disso, nada acrescenta a nosso conhecimento do conteúdo do sonho. Esse é o umbigo do sonho, o ponto onde ele mergulha no desconhecido. Os pensamentos oníricos a que somos levados pela interpretação não podem, pela natureza das coisas, ter um fim definido; estão fadados a ramificar-se em todas as direções dentro da intricada rede de nosso mundo do pensamento. É de algum ponto em que essa trama é particularmente fechada que brota o desejo do sonho, tal como um cogumelo de seu micélio."[3]


3) “Estamos familiarizados também com o caso extremo em que o ego desiste do desejo de dormir, por que se sente incapaz de inibir os impulsos reprimidos liberados durante o sono – em outras palavras, em que renuncia ao sono por temer seus sonhos.”[4]


Tais passagens marcam três momentos diferentes em sua obra com relação à teoria dos sonhos. A primeira, de 1900, coloca o sonho como a via régia para o inconsciente. A segunda, ainda de 1900, inclui nessa descrição o que Freud chamou de “o umbigo dos sonhos”. Por fim, a terceira, de 1917, acrescenta às elaborações desta temática os ditos sonhos traumáticos, apontando para o que dali a três anos ganharia destaque no texto freudiano com o conceito de pulsão de morte.


Destacou-se no início do debate que, da segunda para a terceira passagem em questão, há um aprofundamento em direção a um limite do sentido e do significante. A terceira passagem destaca um excesso do corpo que atrapalha o sono – pontuou-se que, justamente, é a partir do excesso que acontece o despertar. Essa passagem nos permitiu verificar que, nesse momento das elaborações freudianas, fica nítido que os sonhos escapam ao que se chama de “instinto”.


A palavra “despertar” direcionou a discussão para a leitura que Lacan faz dos sonhos. Seria esta leitura diferente daquela de Freud? Sem dúvidas, podemos dizer que Freud já indica nos sonhos a existência de alguma coisa que escapa às representações. Apontou-se em nosso debate que, mesmo em 1900, já é possível encontrar a máxima lacaniana de que o sonho está motivado por um desejo de despertar e não de dormir – não perdendo de vista que Lacan também ressalta só haver despertar absoluto na morte.


Não havendo a possibilidade de despertar absoluto, é sempre com duas faces do despertar que nos deparamos. O despertar do sonho sempre implica, assim, algo de um “continuar dormindo”. Na tensão entre essas duas faces do despertar (promovido, por exemplo, por um sonho de angústia), colocamos no debate que a análise seria uma possibilidade de sustentá-lo, sem que se volte totalmente ao estado de continuar dormindo.


O sonho é uma narrativa que recobre o campo pulsional. O trabalho dos sonhos forma essa narrativa, a seu modo, para recobrir algo do campo do real, que, por sua vez, é o que motiva o sonho. O sonho estaria, portanto, como foi dito no encontro, em nome do despertar que dá notícias do real.


Não perdemos de vista, contudo, que é sempre pelo significante que os pontos de real que nos despertam se delimitam. Não há uma temporalidade (um real que venha antes do significante). Destacamos esse ponto a partir da citação referida que menciona o umbigo dos sonhos, em que Freud deixa bem explícito que os pontos de real aparecem nas lacunas do relato do sonho.


E na clínica? O real pode comparecer nos sonhos?


Contribuindo com o debate, pensou-se que a maneira como se traz o sonho para a análise é similar, por vezes, àquela como se traz o sintoma. É preciso escavar um pouco para que se produza uma questão sobre o sonho, tal como com o sintoma. É preciso que a estrutura da transferência se coloque a serviço de abrir o relato para o tropeço do sonho.


A pergunta sobre a clínica também nos fez perguntar em que o sonho se articula com sua época. Estamos acostumados a dizer dos sintomas de uma época, e talvez seja também possível, no sonho, verificar a matéria que se coloca ao seu alcance no mundo. No entanto, só nos vale pensar sobre isso se na análise se puder extrair dessa matéria uma singularidade.


Ainda em sua relação com a época, perguntou-se: o sonho pode perder sua eficácia, como efeito do laço social em que se verifica um desgaste da eficácia simbólica? O misticismo, ou mesmo as redes sociais, podem entrar a favor desse desgaste, na medida em que abrem espaço para que se fale dos sonhos a partir de uma tônica que recai predominantemente sobre o imaginário?


Por fim, destacamos que o sonho é também um trabalho significante, que trata de velar o real, ou o umbigo do sonho, nas palavras de Freud, tal como o faz o trabalho da neurose. Lembramos que os testemunhos de passe costumam ensinar sobre o salto que se faz para chegar a um significante de fim de análise, depois desse encontro com o “umbigo”. Concluímos que, tal como o percurso mesmo de uma análise, o trabalho dos sonhos pede que se faça um caminho da amplificação significante à redução a seu osso.

[1] O encontro se realizou no dia 23 de outubro de 2019 e foi coordenado por Tatiane Grova e Vicente Machado Gaglianone. A atividade contou com a presença dos alunos do Curso Fundamental do ICP, de Jeanne-Marie de Leers, Ruth Helena Pinto Cohen e de Sandra Viola, assim como da Comissão de ensino do ICP, coordenada por Vicente M. Gaglianone e composta por Dóris Diogo, Isabel do Rêgo Barros Duarte, Mariana Pucci e Thereza De Felice.


[2] Freud, S. "A interpretação dos sonhos”. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas Psicológicas. Rio de Janeiro, Imago, 1969, p. 607, vol. V.


[3] Idem. "A interpretação dos sonhos”. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas Psicológicas. Rio de Janeiro, Imago, 1996, p. 556-557, vol. V.


[4] Idem. “Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos”. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas Psicológicas. Rio de Janeiro, Imago, 1969, p. 232, vol. XlV.

por Gustavo Corinto, aluno do ICP

com a colaboração de Ana Paula Brito Guedes, aluna do ICP


Resenha do Evento preparatório

XXVI Jornadas Clínicas da EBP-Rio e ICP/-RJ, de 2019:

“A vida (não) é um sonho: real e supresa na psicanálise”[1]

Curso Fundamental do ICP


A atividade preparatória para as XXVI Jornadas Clínicas da EBP-Rio e do ICP-RJ deste ano, cujo título é: “A vida (não) é um sonho: real e surpresa na psicanálise”, começou com a leitura de três fragmentos, citações de Freud, em que ele aborda o tema do sonho. Um primeiro fragmento, sobre a função do sonho, outro sobre a impossibilidade do esgotamento da interpretação onírica - o famoso umbigo do sonho -, e um terceiro fragmento, sobre o caso extremo em que o eu abdica do desejo de dormir. Dessa forma, esperava que a discussão rondasse o tema da interpretação dos sonhos, da formação, dos processos oníricos, de condensação e deslocamento, como o desejo que é satisfeito, ou o umbigo do sonho. Assim sendo, é, com alguma surpresa, que o tema da conversa orbitou em torno do despertar, e da sua relação com o Real, e não do dormir.


Não que o sonho fora deixado de lado. Importantes questões sobre ele foram levantadas. Que tipo de sonhos são sonhados hoje? O sonho, quando chega à um analista, chega da mesma maneira que na época de Freud? O que cada um faz com seus sonhos, é parecido com o que se fazia na virada do século XX? Qual a influência do contemporâneo na formação dos sonhos? Essas foram algumas das perguntas importantes que foram levantadas durante a discussão.


Contudo, a conversação deixou a impressão de que despertar é um significante privilegiado. Passamos a discutir sobre a impossibilidade do despertar, que nunca realmente despertamos, e que o despertar viria somente com a morte. Perguntava-me, se as Jornada eram sobre os sonhos, qual o motivo de falarmos tanto sobre o despertar?


O tema surgiu após citarem a célebre frase de Lacan: “acordamos para continuarmos sonhando”. Partindo dessa frase, pude repensar o binômio sonhar/despertar. Afinal, por que não pensar em um sonhar enquanto os olhos estão abertos? Como não imaginar que os processos da formação onírica não têm ação durante o dia a dia?


Um participante da conversa conseguiu aglutinar essa sensação em uma frase: “a neurose é um sonho”[2]. Um sonho, com a condensação e deslocamento, com um desejo formador e - porque não - com um umbigo. A neurose contém tudo aquilo que esperava encontrar em uma conversa sobre o sonho. Ao pensarmos dessa forma, a barra entre os estados oníricos e de vigília parece estar borrada, escamoteada. Talvez possamos entender assim a negativa estar entre parênteses no título das Jornadas. O que faz a vida ser ou não um sonho são apenas dois parênteses, que assim como pálpebras, podem estar abertos ou fechados.


[1] O encontro se realizou no dia 23 de outubro de 2019 e foi coordenado por Tatiane Grova e Vicente Machado Gaglianone. A atividade contou com a presença dos alunos do Curso Fundamental do ICP, de Jeanne-Marie de Leers, Ruth Helena Pinto Cohen e de Sandra Viola, assim como da Comissão de ensino do ICP, coordenada por Vicente M. Gaglianone e composta por Dóris Diogo, Isabel do Rêgo Barros Duarte, Mariana Pucci e Thereza De Felice.


[2] Frase relembrada da apresentação do testemunho de passe de Irene Kuperwajs (EOL/AMP), ocorrida em 21 de outubro, no Seminário de Passe, atividade coordenada por Ana Lucia Lutterbach.

Caros colegas,


Convidamos vocês para a Conversação dos Núcleos do ICP, evento no qual desembocam produtos das discussões clínicas dos Núcleos do Instituto.


Segundo Miller, a conversação é:


“[...] uma situação de associação livre, se ela é exitosa. A associação livre pode ser coletivizada na medida em que não somos donos dos significantes. [...] Se confiamos na cadeia de significantes, vários participam do mesmo. Pelo menos é a ficção da conversação: produzir — não uma enunciação coletiva — senão uma associação livre coletiva, da qual esperamos um certo efeito de saber.” (2005, p. 15-16)*


Contamos com vocês e com as leituras prévias de ambos os casos, o da Unidade de pesquisa Clínica e política do ato, e do Núcleo Psicanálise e Medicina, disponíveis na biblioteca da EBP-Rio para os inscritos nas XXVI Jornadas da EBP-Rio e do ICP-RJ. Os casos não serão lidos na ocasião. Todos os Núcleos estão envolvidos na preparação de comentários e questões sobre os textos dos casos.


Esperamos que cada um possa ser tocado pelos efeitos dessa associação livre coletiva, pelos significantes trazidos pelos outros e por si próprio, nos ajudando a extrair, junto com os nossos convidados Mauricio Tarrab (EOL/AMP) e Alejandro Reinoso (NEL/AMP), um saber novo que possa surgir no dispositivo da conversação. É a nossa aposta.


Cabe lembrar que a Conversação é restrita aos inscritos nas Jornadas Clínicas. E ainda que os textos dos casos são material sigiloso, cujo uso é restrito a essa atividade.


Tatiane Grova

Coordenação de Núcleos e Unidade de Pesquisa do ICP-RJ


*Jacques-Alain Miller e outros. La pareja e el amor: conversaciones clinicas con Jacques Alain-Miller em Barcelona. Buenos Aires: Paidós, 2005. p. 15-20.

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Imagem: @kelletteworks

FRAGMENTOS

XXVI Jornadas Clínicas da Escola Brasileira de Psicanálise Seção Rio e do Instituto de Clínica Psicanalítica - RJ

Prodigy Hotel Santos Dumont Airport - Rio de Janeiro
29 e 30 de novembro de 2019

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