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Apresentação - A vida (não) é um sonho: real e surpresa na psicanálise

Atualizado: 24 de jun. de 2019

por Andréa Reis Santos - membro EBP/AMP - diretora da EBP-Rio


Este é o primeiro Boletim das nossas XXVI Jornadas - Boletim que, a partir de agora, vai levar até vocês notícias dos preparativos começados há vários meses e que vão continuar até o nosso encontro, nos dias 29 e 30 de novembro desse ano. Nestas Jornadas vamos trabalhar em torno do tema do sonho, de maneira muito conectada ao que propõe o XII Congresso da AMP, que acontecerá em abril de 2020, e que tem como título O sonho, sua interpretação e seu uso no tratamento.


À primeira vista, caso seja lido muito rapidamente e associado à forma de interpretar os sonhos que deu origem à psicanálise, esse pode parecer um tema antigo, coisa de outra época. Da época em que era possível provocar efeitos de surpresa e mudanças subjetivas a partir dos deslocamentos de sentido produzidos pela interpretação do analista. Seria esse apenas um retorno, assunto que faz dormir?


O que temos escutado e lido sobre esse tema a partir do debate em torno do Congresso da AMP demonstra o contrário, demonstra que colocar a conversa sobre a prática da psicanálise em primeiro plano, o dia a dia da clínica de cada um, partindo da perspectiva do sonho, pode ser uma forma muito eficiente não só de retomar a força do texto freudiano, mas de articular diferentes momentos do ensino de Lacan para pensar como a psicanálise se arranja com as demandas atuais e com os sintomas da época. Pensar de que maneira o uso do sonho na sessão é capaz de produzir deslocamentos, de acessar o real em jogo numa análise por outras vias que não a da interpretação dos tempos de Freud. Estamos diante de uma questão muito atual, muito viva.


Responder ao mal estar que se endereça à análise pela via da interpretação do sonho hoje é quase uma ação política. É mais do que conduzir até o inconsciente - até porque com Lacan aprendemos que o inconsciente não é só lugar, mas também tropeço -, é uma forma de fazer existir o Inconsciente. O analista hoje é aquele que dá valor e lugar ao tropeço, aquele a quem cabe fazer existir o inconsciente. E renovar a pergunta sobre como fazer isso em função da subjetividade da época é tomar partido da psicanálise. Essa é a política da psicanálise que nos interessa e que vivifica nossa prática. Resta saber como fazer, ou já fazemos e resta dizer como (é assim que fala Miller a respeito da análise do falasser).


Foi por isso, por essa vitalidade, que decidimos puxar um fio a partir do tema do Congresso da AMP para orientar não só o tema das Jornadas, que vão acontecer em novembro, mas também de boa parte do trabalho que se faz na Seção Rio ao longo do ano. A vida (não) é um sonho: Real e surpresa na psicanálise propõe pensar de que forma o uso do sonho, do seu relato, pode favorecer o efeito de surpresa que a presença do real é capaz de produzir na experiência de uma análise. Como se interpreta hoje quando a produção de sentido já não é suficiente, não tem o mesmo efeito disruptivo, de estranhamento, que tinha em outros tempos? Como fazer da sessão um lugar onde o encontro com aquilo que do sonho aparece como fora do sentido, que irrompe na narrativa, consiga, em alguns momentos, produzir instantes de despertar que levem a uma reconfiguração subjetiva?


Produzir um debate que seja capaz de extrair consequência destas perguntas é uma empreitada que envolve muitos agentes. Tatiane Grova Prado, como coordenadora geral, e Marcia Zucchi, como coordenadora epistêmica, já se colocaram a trabalho há quase um ano, mobilizando muitos colegas em torno de um mundo de tarefas para que as nossas Jornadas sejam ocasião de trabalho rico e de muitas surpresas. Elas assinam o argumento publicado no site das Jornadas, onde é possível ler a riqueza que se extrai dessa articulação entre vida e sonho, dormir e despertar, que o título provoca. A vida como ficção é sonho que embala e faz dormir, enquanto o sonho traz em seu relato um tanto de real que irrompe, perturba o sono e acorda para outra forma de estar na vida. Esses elementos que fazem parte do nosso tema também estão presentes no belo cartaz que foi feito por Bruno Maron a partir do que elas, Tatiane e Marcia, junto à coordenação de mídias, Cristina Frederico e Anna Luiza Almeida, souberam transmitir a ele. Vale a pena prestar atenção a cada detalhe da cena que o cartaz ilustra.


Para enriquecer a conversa sobre essa aposta no poder da psicanálise de renovar sempre o modo de pensar sua prática, de insistir na busca pelas vias inéditas que permitem manter a sua potência, convidamos para vir ao Brasil nosso colega da EOL, Mauricio Tarrab. Estamos muito contentes em contar com a presença dele nestas Jornadas. Também teremos aqui o privilégio de escutar o testemunho de passe de Alejandro Reinoso, da NEL, para pensar com ele sobre o lugar e o uso do sonho no seu final de análise e o que isso ensina a respeito do sonho nos outros momentos de uma análise.


Até lá temos muito trabalho pela frente. Parte das atividades da Seção Rio já se movimenta nessa direção, entre elas o Seminário do Passe, coordenado por Ana Lucia Lutterbach, que vai promover uma série de conversações sobre “O sonho e as paixões” e que terá entre os convidados alguns AEs e ex-AEs falando do sonho nos testemunhos de passes.


No Seminário Clínico, Marcus André Vieira e Romildo do Rêgo Barros estão trabalhando em torno do sonho na sessão de análise a partir da perspectiva do tempo: incluir o tempo para poder pensar sobre a incidência do sonho na dimensão real do espaço. Considerar o tempo fora da lógica da duração e tomar o sonho como suspensão, ruptura da cadeia, permite pensar a interpretação lacaniana menos como associação de sentido e sim como espaço de irrupção. A importante transmissão que Marcus e Romildo vêm fazendo ali reverbera sobre o que está sendo produzido em torno do tema do sonho na Seção, certamente servirá de bússola para o trabalho que temos pela frente até novembro, e orientou grande parte do que está sendo dito nesse texto.


Todo esse movimento parte da aposta de que a psicanálise é um jeito de saber fazer com a presença do que desacomoda e desperta, um jeito de fazer que contribui para que a vida não seja absorvida pelo desejo de dormir. A psicanálise insiste em querer saber sobre o que atiça a vida. Se o sonho ainda nos interessa é justamente porque carrega nele essa presença, que não se deixa agarrar pela interpretação do sentido como nos tempos de Freud, mas que ainda assim está aí nos desafiando a buscar maneiras de tocá-la. Ainda temos muito trabalho pela frente e vocês todos estão convidados a participar dele.



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